O dinheiro e as relações

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Talvez você ainda não tenha percebido, mas o dinheiro permeia todos os contextos de nossa vida, incluindo os relacionais.
Como ferramenta que pode garantir a dignidade humana, pela possibilidade de oferecer saúde, moradia e educação, tem lugar de destaque na vida das pessoas. Sem ele, nossa experiência existencial corre riscos concretos de não acontecer.

Por ser “um fenômeno cultural e principal meio de troca de bens e serviços, o dinheiro tem ocupado lugar de destaque na vida econômica e social no mundo capitalista. Atrelado ao desenvolvimento da humanidade, não só tem influenciado a experiência humana, como se beneficiado de seus avanços tecnológicos” (Meirelles, 2012, p.21).

Mais ainda, num sistema interdependente, tem sido moldado pelos homens, que através de suas características lhe conferem atributos, valores e crenças envolvendo desde status, poder, prestígio e até o oposto, em condições que remetem a menos valia, abandono, submissão.

Sua complexidade é tanta que os grandes estudiosos da Psicologia Econômica e precursores da Psicologia do Dinheiro, Lea, Tarpy e Webley (1987, p. 339), escreveram:

“O dinheiro é um conceito complexo que carrega um plexo de significados de plexos de exemplares. Nosso comportamento em relação ao dinheiro será, por esta razão, apenas completamente entendido por meio de uma perspectiva histórica e de desenvolvimento. Principalmente, dinheiro representa uma avaliação de troca, mas os significados secundários incorporados em cada aspecto do dinheiro (sua origem, forma e mensagem) afetarão como será usado e podem perfeitamente limitar sua aplicabilidade geral.”

Tanto as trocas quanto os significados secundários aparecem claramente nas relações, começando pela família e casais e se expande para toda a sociedade. Para elucidar melhor, apresentarei a definição da Psicologia do Dinheiro que surgiu em 1998, através dos psicólogos ingleses Furnham e Argyle (2007, p. 5-6) e chegou ao país, nos meios acadêmicos, por meio de minha tese de doutorado:

“Interessa-se pelos significados psicológicos que as pessoas dão ao dinheiro, como suas crenças e atitudes se estabelecem e como as usam quando adultos. […] Psicólogos estão interessados em atitudes em relação ao dinheiro, porque e como as pessoas se comportam em relação a ele, o que elas fazem bem como quais os efeitos que o dinheiro tem nas relações humanas.”.

Tomando como referência a interrelação indivíduo e coletivo, vamos começar pelo significado do dinheiro, culturalmente construído. A tese de Moreira (2000), explicita isto, através de pesquisa tanto no Brasil quanto na Inglaterra, mostrando as diferenças existentes sobre o significado do dinheiro entre os estados de nosso país bem como entre os 2 países estudados.

Pensando mais localmente, convido-o a refletir sobre isso considerando sua família: de sua mãe e de seu pai e observar as semelhanças, diferenças e histórias vividas, a começar pelos seus bisavôs até chegar a você. Pense nas características, nos valores transmitidos entre as gerações, envolvendo o cotidiano: trabalhar, gerar renda, pagar contas básicas, ter uma casa (própria ou de aluguel), escola, roupa, educação, lazer. Como isso era feito? Quais as narrativas que eram passadas sem que você percebesse e que iam aos poucos, construindo o que Tatzel (2002) chama de “mundo pessoal do dinheiro”?

Vamos seguir juntos e aqui proponho algumas reflexões: pense nos seus pais e em como lidavam com o dinheiro, a partir do que o mesmo significava para cada um: escassez, segurança, amor, conforto, poder/ dominação, ou algo diferente. Como a conjugalidade se estabeleceu em termos de estilo financeiro? Parceria, coesão, intimidade ou desconfiança, infidelidade financeira? Como os filhos reagiam? Que vivências foram construindo? Quais atitudes foram marcantes? Quais valores foram sendo transmitidos? Havia justiça na distribuição/ uso do dinheiro?

E por fim, quais os efeitos do uso do dinheiro nessas relações? Pense também ampliando para a família extensa (tios, sobrinhos, primos) e para as redes de amizade e trabalho.

Agora, olhe para si mesmo e observe, diante das vivências, como foi sendo construído o seu significado do dinheiro? Como ele é usado tanto para si quanto nas relações? Ele traz emoções positivas ou negativas? Amplie para outras condições: casamento, divórcio, recasamento, filhos, divisão patrimonial, heranças…

Como você vive e ‘organiza’ essas vivências pela perspectiva afetiva financeira, de seu mundo pessoal do dinheiro? E se você além de tudo, for terapeuta ou trabalha com casais e famílias, como ajudá-los a entender a trama que envolve dinheiro?

Questões de lealdades familiares, não diferenciação do sistema, livros de conta das relações (Boszormenyi-Nagy,1998 e Bowen, 1991), associadas às disfunções financeiras individuais (Klontz e Klontz, 2011), somam-se para criar situações de dor, angústia, rupturas e até violência, que na maioria das vezes o sistema não consegue resolver sozinho e busca ajuda.

Com o objetivo de colaborar com profissionais que atuam com casais e família a lidarem com as questões acima, falarei no Workshop: “Casais e dinheiro: múltiplas formas de convivência na sociedade contemporânea”, nos dias 28 e 29 de abril de 2023 no Instituto da Família – FTSA.

Para tratar de um tema tão relevante, que eu estudo há quase 20 anos, mas ainda é tabu em nossa sociedade, teremos 10 horas de teoria e prática, apresentando as mais recentes pesquisas sobre o tema, articuladas com a experiência profissional dos participantes; o que fará desse Workshop um momento de rico aprendizado.

Meu convite é para que você participe conosco. Será um prazer encontrá-lo(a) por lá.
Abraço

Psicóloga Dra. Valéria Maria Meirelles, CRP 06/34329

 

 

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